Esta é a segunda parte do artigo iniciado na edição número 13 do Rolfing Brasil. São fragmentos de um capítulo do livro Síndrome Dolorosa Miofascial, a ser editado pelo Grupo de Dor do Hospital das Clínicas da USP, pela editora Roca.
RELAÇÕES INTERSSEGMENTARES DO CORPO
A seguir serão apresentados alguns exemplos das relações funcionais entre os segmentos corporais úteis na prática clínica diária, seja qual for o método ou técnica em uso. Foram selecionadas aquelas que se mostraram mais consistentesas mais importantes do ponto de vista prático. Evitou-se dar nomescategorizar estas associações, pois ainda são fragmentos de uma sistematização mais abrangente, processo atualmente em andamento. O leitor poderá usar tais exemplos como sugestões na análiseno tratamento de seus casos clínicos.
FÁSCIA TORACOLOMBAR: ESTRUTURA-MESTRE
Esta estrutura fascial, localizada no centro anatômico do corpo, é talvez a principal estrutura envolvida na transmissão de esforços mecânicos do sistema musculo-esquelético. Está dividida em três folhetos, um superficial, um intermediárioum profundo, cada um deles responsável pela interligação de diferentes grupos musculares. O folheto superficial é ainda subdividido em um número variável de lâminas distintas. No segmento superior da coluna lombar este folheto apresenta duas lâminas o de campo da arte em março-o amorholandada carga telefone tal data já distintas: uma superficialuma profunda. Mais distalmente, sobre a região sacral, o folheto superficial apresenta até cinco lâminas distintas (19), fato que aponta para a complexidade dos vetores de força nesta região. Foi ainda demonstrado que a força muscular pode ser transmitida pela fáscia tóraco-lombar a grandes distâncias, inclusive através da linha média(19). Isto sugere que este sistema pode auxiliar na estabilidade da coluna lombarda articulação sacroilíaca(17,19). Daí a importância de seu papel no tratamento de dores lombares.
A fáscia tóracolombar intermedia também a transmissão de força muscular dos membros inferiores para os membros superiores (19). Assim sendo, ela pode estar envolvida na gênese de inúmeras afecções músculo-esqueléticas que afetam não apenas a coluna lombar que os membros inferiores, como praticamente todo o corpo.
Como qualquer estrutura fascial, a fáscia tóracolombar pode apresentar aderências entre seus folhetoslâminas, o que impede o livre fluxo de forças entre as estruturas que eles interligam, levando assim à sobrecarga tecidualconseqüentemente à produção de inflamaçãodor. A terapêutica voltadas para a dissolução de tais aderências -como é o caso da liberação miofascial- pode ter profundo impacto clínico.
RELAÇÕES ENTRE COXA E TRONCO
?Trato iliotibial, glúteo máximoeretores
O trato iliotibial transmite a força muscular do músculo glúteo máximodo músculo tensor da fascia lata a partir da crista ilíaca na direção distal(15), estabilizando a pelve durante o apoio unipodálico da marcha. No tronco, esta estabilidade é dada pelo colete abdominalpelos músculos eretores da coluna. Há uma interligação entre o trato iliotibial, o músculo glúteo máximoos eretores, mediada pela fáscia toracolombar(15). Por isso, nos casos de lombalgia funcional, é importante considerar a qualidade da função do trato iliotibial. Freqüentemente, esta estrutura fibrosa encontra-se aderida à fáscia-lata (devem ser relativamente independentesdeslizar entre si), o que impede a livre transmissão de força muscular no sentido distalconseqüentemente a estabilidade da pelve em apoio únipodálico (fig 6). Obter tal estabilidade é muito importante no tratamento de inúmeras patologias músculo-esqueléticas.
O trato iliotibial tem ainda uma continuidade anatômica abaixo do joelho, que atinge a região do maléolo lateral. Ela é importante na transmissão das forças mecânicas até o pé(15).
EQUILÍBRIO ANTEROPOSTERIOR DA PELVE:
Há muito tempo está estabelecida a importância da dinâmica dos movimentos da pelve na motricidade humana. Muitos sintomas podem advir de desequilíbrios dos tecidos moles nesta região. Sabe-se, por exemplo, da importância do adequado alongamento da musculatura paravertebralisquiotibial na mobilidade pélvica. No entanto, existem fatores patogênicos adicionais, que não parecem tão óbvios à primeira vista. Como exemplo pode-se destacar a rigidezos encurtamentos que afetam a região das espinhas ilíacas anteriores. Restrições nesta região podem comprometer os movimentos da pelve, pois muitos músculos originam-se nesta região. Seus tendões facilmente encurtamaderem uns aos outros, criando um verdadeiro retináculo ao redor da raiz da coxa, comprimindo excessivamente as estruturas subjacentesrestringindo assim o movimento. Tal rigidez pode causar quadros álgicos em várias partes do corpo, pois afeta funções triviais tais como a marchaa mudança de decúbitos. Curiosamente as restrições de tecidos moles na região anterior da pelve estão freqüentemente associadas a sintomas que afetam a região posterior da pelve, como a coluna lombara articulação sacroilíaca.
A formação deste retináculo fibroso na raiz da coxa está provavelmente associada à manutenção da postura sentada por períodos muito longos, uma das características do modo de vida atual. A liberdade do movimento entre tendõesmúsculos nesta área permite maior liberdade de movimento da pelve como um todo, auxiliando na distribuição dos estresses mecânicosna estabilidade articular nesta região. Portanto, a atenção à mobilidade dos tecidos moles nesta região deve fazer parte do tratamento de dores que afetam especialmente a coluna lombaros membros inferiores.
RELAÇÕES ENTRE MÚSCULOS BIARTICULARES
Os músculos biarticulares sofrem variação de comprimentotensão de acordo com as posições relativas das articulações que cruzam. Independentemente de sua contratilidade, estes músculos transmitem força muscular através de suas fáscias, podendo ser considerados como “tendões dinâmicos” (1). O movimento de pistonar dos músculos biarticulares no compartimento fascial que ocupam deve ser o mais livre possível para que a citada transmissão seja livre de interferências indesejáveis. É relativamente freqüente a aderência do reto femoral no compartimento que ocupa entre os vastos. Isto pode levar à anteversão pélvica com suas várias conseqüências posturaisfuncionais. Analogamente, os isquiotibiais devem poder deslizar livremente dentro de seus compartimentos fasciais para que possam desempenhar adequadamente seu papel de interligar estruturas miofasciais amontantesajusantes.
RELAÇÕES ENTRE MEMBROS SUPERIORES E TRONCO
?Escápula: a raiz do membro superior
A articulação escapulotorácica é composta apenas de planos miofasciais. O fato da escápula estar literalmente imersa em tecido mole a torna particularmente sujeita a restrições de movimentodesequilíbrios na transmissão de força muscular para as mãos(fig 7). A tendência de desvio postural mais comum da cintura escapular é sua elevaçãoprotusão, o que se associa à abduçãoelevação das escápulas. Nesta posição, a estabilidade de todo o membro superior é prejudicada, pois não há uma boa coaptação da escápula sobre o gradil costal. O uso prolongado da cintura escapular desse modo leva ao aparecimento de aderências entre músculos da região, diminuindo os espaços fasciais ao redor da escápula, o que leva à rigidez de movimentoà má utilização da musculatura. Inúmeras patologias que acometem o membro superior podem ser causadas ou agravadas por este fenômeno. Técnicas de liberação miofascial são especialmente eficazes para restabelecer os espaços fasciaisassim melhorar a estabilidadea transmissão de forças para os membros superiores.
Vale lembrar que se estes espaços fasciais estiverem restritos, de nada adianta “corrigir” a postura a partir de uma ação muscular voluntáriamantida, pois criar-se-ão compensações indesejáveis em outros grupod musculares que passarão a ser usados incorretamente.
CONCLUSÃO
A complexidade dos mecanismos responsáveis pela produção dos movimentos tem levado a profundos estudos sobre o tema. A capacidade integrativa do sistema de fáscias vem somar a esta complexidade. O estudo do papel do tecido conjuntivo no movimento, fenômeno ainda curiosamente pouco explorado, pode contribuir em muito para uma compreensão mais completa da motricidade. As aplicações desta concepção são imediatas, enriquecendo as técnicas educacionaisreabilitacionais vigentesembasando o desenvolvimento de técnicas diretamente relacionadas, como por exemplo a chamada Liberação Miofascial.
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