Há dois anos atrás um amigo jornalista, com os dois pés no teatrona educação, chegou com uma necessidade de compreender mais o funcionamento do movimento humano. Compartilhava com ele o interesse em conhecer mais sobre a constituição do corpo humanoo que poderíamos fazer para ganhar mais repertório de conhecimento sobre o movimento…

Começamos com a anatomia ? músculos, ossos, articulações, suas trajetórias, organizaçãoorientação de eixos, direçõessentidos das forças organizadoras de movimento. Com isso conhecíamos uma biomecânica do corpo humano…. atuávamos no mesoderma….e nos comos de seus modosfuncionamentos, nas quantidadesqualidades das amplitudescontratibilidades……

Sentimos-nos convidados a investigar a anatomia, também, como um campo de reconhecimento de suas possibilidadesdos modos do uso de si a partir de sua constituição neuromotora, portanto emocional também……se contraio assim, o que acontece? Íamos ouvindo…e perguntando,……

Percebemos aos poucos que, insuflando atividade até esgotar o tecido, contaminaçõesemergências das camadas re-encenavam acontecimentos…. bolhas de imagens emergiam….estávamos nadando em liquido histórico…. uau!

Vieram as perguntas:

? Seria possível que aqueles estudos de movimento tornassem possível encontrar um substrato para gestospalavras? Mais emergências……

– Seria possível que aquelas organizações muscularesseus lugares, posiçõestrajetórias contráteis,diferenças tônicas moldassem diferentes realidades?…uauau!

Achamos que sim…..

Ao final de cada experimentação, levada à exaustão, aprendemos a aguardar em silêncio o que se mostraria de muitos modos, como impulsos, lembranças, qualidades de usos, pulsos, arquiteturas, intençõesdesejos, partituras, etc… narrativas históricas. Acontecia de todas as vezes termos um sonho pra contar….próprioparticular.

Eram como suspensão de fatos ( lembram da química quando a gente agita o tubo de ensaio com águaargila?), sustentada por uma estruturaum funcionamento específico. …

Apesar de irmos aos recortes no estudo, ainda assim havia uma inundação das sensações por todo o organismo, numa contaminaçãosolicitação de todos os chamados sistemas operatórios.

……movimentosecologias numa mesma linguagem……algo estava acontecendo….o quê?…

Fomos aprendendo que, ao mesmo tempo em que fazíamos os movimentos propostos, também acontecia de formarmos uma condição de textualização com narrativa histórica daquele momento….

Tínhamos uma voz ela timbrava em falas pessoais que ressoavam no ambiente….

quem falava….?

ou…

o como…………

…………..falava?

Para aprofundar o trabalho, algumas questões se colocaram:

– o que é movimento? O que é ação? E gesto o que é?

Tentando responder..

Pelas leis da Física, movimento é tudo aquilo que se desloca pelo espaço num certo período de tempo… simples, né?…..

… quer dizer que se fico deitado não estou me movendo!……..ou estou?

E..se estiver caindo, você está em movimento ou está parado? E se você se jogou?

Se você faz uma pausa, você está parado ou tem movimento? Isto é uma ação?

Quando você encena que segura um pote, não há movimento, isto é uma ação ou é um gesto?

Parecia fácil, né……!

Ficamos com a primeira questão ……..

Vamos tentar caminhar pra algum lugar……

Lembram-se do filme 2001 Uma Odisséia no Espaço do Kubrick?

Quando o hominídeo tem um osso na mãocomeça a golpear um esqueletodaquele vaivem, naquele sobedesce dos membros superiores,da oscilação de todo o corpo, do abrirfechar da boca, no forçar o ar para forapara dentro do corpo, vemos de um modo muito geral que há movimento….e que, não há a menor intenção de quebrar os ossos que estão jogados…mas…

À medida que, de algum modo, ele compreende que o bater cria uma segunda realidade,ele vai mudando para um golpear aquela crânio no chão, algo acontecede repente ele começa um repetir,repete até que se torna uma parte de si o golpearele se apropria do próprio ato, tornando-o uma vontade de bater….da volição ele faz um acontecimentoque o reviverá todas as vezes em que precisar golpear algo….então?… entendeu?…viu como foi fácil…. onde é movimento ?onde está a ação? Onde está o gesto?

Precisamos um pouco de biologia…

Olha só o que Ernst Mayr diz…….para falar da vida é preciso construir uma narrativa histórica….ao contrário da Físicada Química que lidam com leis, no que é vivo falamos de conceitos…….legal? então…….

O que é vivo está sujeito às leis, mas também as opera….opera no acaso,depende do caso… criando uma ordem de eventos que tornam as leis tão móveis que valem por períodos justos de acontecimentos….somos capazes de recompor as forçastambém de manuseá-las…. e,interessante…..construindo estruturas que nos levam além da lei……..estamos constituídos das leisas operamos…….

……vocês sabem o que é a tipologia?…ou essencialismo?…. Desde os pitagóricosde Platão, um conceito geral de invariânciaestabilidade se disseminou pelo ..ahm!.. mundo (ocidental) ….querendo dizer que o…ahmm ..mundo tem em suas diferenças uma aparente variedade, ….um numero limitado de espécies naturais,,,essências ou tipos,,,,,da mesma classe, idênticos, constantesseparados de maneira nítida de membros de outras essências…. …..isto é …tudotodos somos igualzinhos…..bacana né….pois é ….não é….

……A Zeitgeist darwiniana nos ensina que somos uma vida de nosso tempo, ……….muito importante, ……particular….

Vejamos ,…..nosso sistema nervoso vem com grande capacidade de formar……não quer dizer que forme…é preciso suprimento agenciado nos espaços interstícios dos espaços circundantes e, a qualidade do suprimento é a matéria prima dos corpos emergentes….. a quantidade, a dimensão, a intensidade, a localização, quem oferta, as regulagens do sistema que as recebe, as luminosidades, as densidades, etc… investem sobre o organismosão forças em sua produção….

Não sei se isto é um caso ou um acaso…..mas na verificação da vida a partir de Darwin, ?a primeira etapa na seleção natural, a produção da variação, é uma questão de acaso…a natureza da segunda etapa, a seleção em si, é direcional? .

E ai o que tudo isto tem haver com teatro?

Hummmm! Agora é preciso copiar isto do livro PARA TRÁS E PARA FRENTE de David Ball…..

?Teatro, no dizer de Aristóteles, é a mais política da todas as artes porque se situa no espaço em que os homens vivem em relação. Quer isto dizer que, no exato momento em que esta relação revive ? no aquiagora do presente ? o teatro acontecese configura enquanto tal… nem antes no passadonem depois no futuro. O teatro não é a arte do possível ou do imaginável: é a arte do viver enquanto ele dura.

…….tá bom!!! E o que mais?

Uma peça é uma série de ações. Uma peça não trata da açãonem descreve a ação. ? uma ação ocorre, quando acontece algo que faz com que, ou permite que, uma outra coisa aconteça. A ação são duas coisas acontecendo, uma conduzindo à outra. Seguir os passos dos movimentos levam à ação……?

Tudo gira em torno da idéia de que não existe um personagem imaginário. Não há como ir até ele. Essa tentativa pode criar uma grande farsa. Pode-se “falar de”, ver”tocar” um personagem se ele se construir enquanto realidade. Enquanto produção de realidade que um corpo é capaz de produzir a partir de sua anatomiaseu repertório (prontoimediatamente vizinho ao pronto) de comportamentos. Se seguimos a trajetória biológica de produção de corpo/comportamento, teremos uma ação de fato, um personagem de fato. Um corpo produzindo relação com um ambiente já é vivo. Um corpo vivo já é um personagem. Produzir relação com um ambiente é antes movimento, depois comportamento (e talvez, depois, pensamento). Por isso insistir nessa ordem de construção da vida do personagem.

A nossa dificuldade está justamente no fato de que estamos habituados a acreditar que nossa imaginação é real. Que o que imaginamos é a realidade. Que o nosso pensamento é a nossa vida. Vivemos a vida da nossa alma, mas não do nós-corpo. Assim, os atores estão treinados a se moverem, cumprirem tarefasrubricas de texto realizando um teatro na sua imaginaçãose mexendo como se estivéssemos (o público) seguindo o que eles imaginam. Mas apenas podemos seguir o seu corpo. Se você imagina algo, eu não imagino com você. Mas se você faz algo, eu faço com você (ou reajo ao que você faz). Se você se mexe imaginando algo, sua ação principal é imaginar (e o seu movimento é qualquer coisa). Portanto, você não faz nadaeu nada vejo.

E o que tudo isto tem a haver com o Rolfing?

O Rolfing (pelo que entendi) estuda como os tecidos do corpo se formam em relação a um ambiente (gravidade, anatomia humana, etc…). Isso nos ensina (no teatro) o que esperar de um corpo diante de algo. Assim podemos nos orientar sobre o que é uma ação de um corpo com a anatomia humanao que não é. Acho que por aí vai…

O Rolfing fala de uma vida que se viabiliza na superfície da terra a partir de um tecido, o conjuntivo, que dá condições de uma estrutura se sustentar unidaintegrada.

Fala de forças que atuam sobre os organismos vivos, particularmente da força da gravidade; o Rolfing fala de uma vida construída a partir de suas experiênciasde suas relações. O Rolfing fala que vidas são estruturas onde os movimentos, desde o micro até o macro, são condição de saúdepotência. O Rolfing fala que nosso modo de estar afeta nossas relações. O Rolfing pensa movimento a partir da motilidade como qualidade de vida. O Rolfing fala que o modo dessa vida, está na estrutura que ela sustenta…..o Rolfing lida com forças ambientaisbiológicas….que a história do sujeito é uma história de movimento. Mais liberdade de ação é igual a mais potência……..e ai, ainda estão sentados?….vamos continuar….2º ato…..

Então?…..

O primeiro passo foi começar a criar uma ordem no trabalho: começamos com aquilo que nos dá acesso direto a noções de movimentodepois criar condições de estruturas se organizarem, daí aguardamos aparições de formas, sua força de sustentação, potência de enunciados, capacidade de vincular presença…..

Sensação de peso (formando um lugar), apoio, impulsão, sustentação, equilíbrio, velocidades, relaçõescontinuidades, espaçotempo, localização, dentro/fora, perto/longe, direçãosentido, quantidades, qualidades, organização de estruturas, tensões, etc, são motivos da construçãoconstituição destas arquiteturas tissulares.

Descobrimos, aos poucos, que nossas incursões sobre o tecido muscular nos dão de volta a história daquela forma e/ou uma potência de aparecimento. Construímos a partir de seu tônusde suas modulações corpos…..ativamos o córtex motorrecebemos de volta imagenscinemovies do uso que fazemos daqueles construtos…e suas possibilidades de existênciadas possíveis ecologias que podem vir a formar..

Fomos aprendendo que podemos reconstruir nossas histórias a partir de nossa estimulação motora….e incrível….armar palcos de experimentações…..

O passo seguinte veio com um jogo que era de criar partituras motorascom isto verificar a constituição de inúmeras possibilidades das estruturas…..em formasmais formasmais variantes sendo produzidas,,,,,,,na seleçãona repetição …..

Estava ai uma força constitutiva a serviço do teatrodo Rolfing aliando-se……comoso quês? Numa contínua produção de lugares, de processadores de ambiente, de moldagens capazes de sustentar uma vozuma aparição.

…Pronto. O caminho estava se formando……estruturas se estabilizandoorganizando comportamentos que dão em apariçõesafetações que podem ser reinvestidas de forçamanuseadassustentando uma realidade no presente…..chegamos a alguma coisa…….copiamos a vidaseus processos de erguimento, na busca incessante de mais vida……formasmais formas em maismais comportamentos com maismais ecologiasmaismais formulações….

Neste momento do trabalho, nosso interesse recai, sobretudo, na aparição de formassuas variantes, bem como experimentar caminhos em que a produção da forma se dê na intensidade em que ela fica animada pelo desafio…..ou seja,,,,, real…

Estamos tentando chegar a um termo onde movimento se torna ação….ao tempo em que uma certa técnica ou mesmo uma máquina operadora de realidade se constitui para organizardar passagem a certos fluxos, ou forças que estão presentes no lugar, buscando aparecer…..construindo caminhos, gestandocriando condições de existência num certo tipo de aparecimento que faz acontecimento….chamamos a isto de técnicas, que tem suas próprias vozesentão colocadas num certo texto, fazem de sua estruturação um certo modo de agir.

Como passar conceitos de movimento, ação, gesto, funcionamento, etc. …conseguir construir estruturas arquiteturas tissulares que dêem condições de suportar um texto de teatroainda assim se constituam como qualidades de uma vida que produz no momento em que faz??/

…….(cara – o Darwin ia ficar louquinho com a gente…ah se ia!)

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VênusCupido, Cranach (1509)