Associação Brasileira de Rolfing

Rolfing Brasil – 04/2013

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Tenho me inspirado muitosempre me encantei com o trabalho de Hubert Godardsua maneira de pensar sobre IE Rolfing®. Desde que o conheci, no Encontro Anual de 1990, tive a oportunidade de participar de duas classes com ele, de 6 dias cada uma, de Rolfing® movimento. No decorrer das aulas, entre vários tópicos de interesse, f “Linha ”da importância do movimento intrínseco. Eu penso que suas ideias iluminam nossa concepção do que queremos dizer com “core”sua relação com o funcionamento psíquico. John Botsfordeu conduzimos essa entrevista com Hubert neste verão. Eu a ofereço como uma introdução ao seu trabalhosua contribuição à IE Rolfing. A edição da entrevista procurou preservar o modo singular de Hubert se expressar em inglês.

Aline Newton

ALINE NEWTON: Conte-nos sobre sua formaçãosobre como se tornou um rolfista.

HUBERT GODARD: Eu iniciei meus estudos universitários em química, então eu fiz química na universidade por quatro anos. Depois eu trabalhei como químicoao mesmo tempo eu dançava. Era muita coisa, portanto eu tinha que decidir entre umoutro; então, eu deixei tudofui apenas dançar. Eu ocupava todo o meu tempo dançando, mas havia outro problema: meu corpo era muito injusto comigo – Nunca vi um corpo pior que o meu quando comecei a dançar. Então, eu estava dançando bastante, mas todo mundo me dizia “Você pode dançar como hobby, mas seu corpo jamais mudará o suficiente para você se tornar um dançarino” Naquela ocasião, eu tive a sorte de ter um amigo que era médico,então eu continuei a ter aulas de dança durante o dia, mas à noite eu trabalhava com meu amigo médico para entender porque eu não podia fazer este ou aquele movimento. Eu continuei procurando outros médicos ou técnicas de movimento que pudessem me ajudarfinalmente, eu consegui mudar tudoter um corpo bom para um dançarino.

ALINE NEWTON: Quais técnicas ajudaram?

HUBERT GODARD: Muitas; muito do meu próprio trabalho, que eu estava fazendo para entender meu corpo,várias técnicas, tais como FeldenkreisAlexander, Meziere, algumas coisas da osteopatia – muitas técnicas diferentes de movimento da dança. Eu estava estudando com um professor de dança fantástico e, finalmente eu venci. Naquela época eu já tinha uma atração imensa pela compreensão do movimento, mais do que pela dança,desde então, nunca parei de estudar movimento. Então, eu dançava profissionalmente por seis meses,por seis meses eu trabalhava com médicos, estudavafazia pesquisas.

ALINE NEWTON: Quando você começou a ensinar?

HUBERT GODARD: Eu ensinofaço pesquisas há vinte anos.

ALINE NEWTON: E então, o que o trouxe até o Rolfing?

HUBERT GODARD: Penso que o Rolfing® foi um marco na minha vida em relação a movimento. Naquela época, eu já era um bom professor, mas sem unidade em termos de teoria. Quando alguém não conseguia fazer determinado movimento, eu era capaz de ajudar, mas eu não havia teoria ou síntese no meu pensamento. Quando fui rolfado, houve um salto em minha mente, em meu corpo, claro, mas no meu pensamento também. Um ano depois de ser rolfado, todas as ferramentas que eu havia usado ao longo de quinze anos alcançaram uma significação única, uma teoria, algo conectado, unido.

ALINE NEWTON: O que em relação ao Rolfing exatamente? Qual parte da teoria?

HUBERT GODARD: Eu não sei; não é a teoria do Rolfing, era eu como cliente, era o meu rolfista, Vandan, que meu deu isto. Obviamente, depois que li o livro da Ida, eu me senti muito próximo desse tipo de pensamento: uma formação científica, mas foi mais a abertura para uma visão do corpo humano, mais um todo. Então, eu aprendi a descansar: ao invés de me tornar mais alto depois do meu rolfing, eu fiquei mais baixo: perdi dois centímetrosganhei descanso. Ganhei algo que era muito importante para mim: que já não havia mais diferença entre estar na ruano estúdio de dança. Antes, para estar no estúdio, eu tinha que aquecer,agora não há absolutamente diferença alguma entre o dia-a-diadar aulas de dança. Eu não sinto a diferença dentro de mim, ou até mesmo no nível psicológico.

ALINE NEWTON: Você poderia falar também sobre as outras coisas que faz além de praticar IE Rolfing®?

HUBERT GODARD: Por quatro anos eu coordenei um laboratório com a Orquestra Nacional em Liege (Bélgica). Era para o Estado, uma pesquisa sobre a relação entre qualidade do somo corpo, a postura do musicista. Mas a questão principal do meu trabalho, além da prática do Rolfing, é o programa na França para professores de dança.

ALINE NEWTON: Através da Universidade?

HUBERT GODARD: Não, é um lugar separado, mas é oficial, existe uma lei que determina que para ensinar dança você deve ter um diploma que inclua análise do movimento,eu estou dirigindo esse departamento. Também em Milão, o governo me pediu para realizar uma pesquisa no Instituto Nacional do Câncer, na reabilitação pós-cirúrgica. Estou rolfando todos os médicos da equipeos psiquiatras,dando aulas de movimento também,pesquisando sobre leitura corporal, com o objetivo de fazer uma leitura de cada corpo – ninguém está feliz com o processo de reabilitação –fazer com que cada reabilitação sirva ao indivíduo, seja específica – essa é uma parte; a outra é mais sobre anatomia funcional, um estudo sobre o peitoral menor;a terceira, é sobre cirurgia plástica, para mostrar as limitações de certas formas de intervenção.

ALINE NEWTON: É bastante trabalho.

HUBERT GODARD: Sim, é um programa de nove anos. A ideia por detrás da organização do professor que está na liderança da coordenação do departamento é fazer com que os médicos trabalhem nos seus próprios corpos primeiro – Dou a eles sessões de Rolfingclasses de movimento –a partir daí começamos a pesquisa.

ALINE NEWTON: A Itália estará à frente no final dessa pesquisa.

HUBERT GODARD: Além disto, tenho a chance de ter pequenos grupos de movimento. Tenho trabalhado com um pequeno grupo de psicanalistas para compreender o movimento através da teoria freudiana.

ALINE NEWTON: No Rolfing sempre houve uma separação entre as pessoas que fazem trabalho estruturalas que fazem trabalho de movimento. Parece que VOCÊ é alguém que faz os dois. Você poderia falar sobre isto?

HUBERT GODARD: Sim, para mim é impensável fazer apenas um. Eu preciso da minha prática de IE Rolfing® para compreender melhor o movimento, mas eu preciso do movimento para compreender melhor o trabalho estrutural. É algo muito difícil de separar. O que estou procurando é o movimento. Como disse ontem, a única definição para a morte é a ausência de movimento. Estou procurando uma melhor amplitude de movimento para as pessoas. Ao fazer isso você precisa ser claro sobre estrutura, mas eu não posso ler apenas no movimento estático, preciso ver as pessoas correndo, fazendo alguma coisa maluca para que elas não consigam em sua apresentação – alinhar na emergência –,também porque você acessa mais o sistema nervoso no movimento, para educar o sistema nervoso,assim você executa a ação muscular de uma maneira melhor, mais do que você faria numa execução aleatória. Além disso, é claro que se você faz o trabalho estrutural, você tem mais chance do movimento funcionar.

ALINE NEWTON: Você estava dizendo outro dia que a escoliose não está apenas no corpo, está no cérebro. Fazer o trabalho estrutural necessariamente afeta o cérebro ou os componentes do sistema nervoso?

HUBERT GODARD: Eu estava falando sobre o trabalho fisiológicoestrutural normais; mas a escoliose é algo nos músculos intrínsecos, portanto vai diretamente através do tronco encefálicocerebelopor um loop através do reticulardos músculos do pescoço. Muitas vezes há uma falta de abertura no pescoço antes de eu fazer qualquer coisa, então todas as informações que damos ao corpo não passam por uma nova organização da linha central ou musculatura intrínseca.

ALINE NEWTON: Esses são dois conceitos realmente interessantes: um é relativo a toda essa questão dos músculos intrínsecosdo que significam; o outro é a linha central,a diferença entre a linhao alinhamento – sobre a qual nós falamos nas aulas.

HUBERT GODARD: É comum vermos pessoas que parecem estar alinhadas, mas que estão inconscientemente usando a musculatura extrínseca para se manterem alinhadas. Uma pessoa pode não ter a pelve alinhada, mas tem uma linha, isto é, uma integridade interna, uma conexão entre movimento superiorinferior. Se você horizontaliza a pelve dessa pessoa, você pode levá-la a um controle corticalà perda da linha real.

ALINE NEWTON: Você pode descrever a diferença neurológica entre músculos intrínsecosextrínsecos?

HUBERT GODARD: Sim. Existem muitas maneiras de se ver essa diferença, mas uma parte dela é diferenciar musculatura fásica de tônica: a musculatura tônica dá conta basicamente do sistema gravitacional, portanto mais conectada com a organização do tronco cerebral ou do cerebelo.

ALINE NEWTON: Por que muitas pessoas se movimentam mais livremente quando deixam de lado seu “alinhamento”? Parece que para muitas pessoas da classe, quando elas deixaram de lado o que pensavam ser suas linhas no Rolf, elas de repente tinham muito mais movimento em seus corpos. Mesmo sem perceberem conscientemente, elas estavam se prendendo a uma imagem de alinhamento em suas cabeças que não era onde seus corpos se sentiam confortáveis.

HUBERT GODARD: Eu acho que é muito útil: se você consegue fazer com que as pessoas, através do trabalho de movimento, parem de usar os músculos extrínsecos só para estarem em pé ou para lidarem com a gravidade, imediatamente você sabe onde você tem que trabalhar como Rolfista – hands on. O corpo não mente: se alguém está se movendo a partir do musculatura extrínseca, estruturalmente seu corpo pode parecer bem organizado, mas se você está acostumado a ler o movimento, não há motilidade, ou seja, movimento a partir do centro (core), a partir da linha central. O que eu tento fazer é apontar onde há tensão extrínseca no corpotentar movê-lo de outra maneira. Muitas vezes você vê algumas torções aparecendo ou alguma resposta lateral, mas há um movimento muito bonito. Nesse momento, a pessoa tem uma linha, mas essa linha não está alinhada. Ela não está no melhor lugar para se estar em um bom relacionamento com a gravidade. Mas eu prefiro trabalhar a partir daqui ao invés de trabalhar a partir do extrínseco, porque, nesse momento, a pessoa tem todo o movimento, ela tem a motilidade, ela tem a emoção, ela tem o motor alfa, comando cortical do corpo, mas atrás do comando cortical, eu posso ver o funcionamento do sistema arcaicolímbico. Meu trabalho será o de levar a linha que está um pouco torcida (ou inclinada)tentar colocá-la de volta, mas colocá-la verdadeiramente, ou seja, sem um self ideal. Então, vamos encontrar o self ideal no músculo extrínseco. Quando você vê uma pessoa em péque imediatamente se move a partir do centro, isso significa que não há diferença entre o corpo idealo corpo real. Isso se encaixa bem com o trabalho dos psicoterapeutas: todas as palavras da psicoterapia servem para o movimento – você tem resistência, você tem o corpo ideal. Você não pode usar o mesmo tipo de técnica, fazer psicoterapia, mas usar a mesma metáfora. Não há diferença entre corpomente.

ALINE NEWTON: Tem um monte de gente no Rolf Institute interessada em psicologia. Estamos nos perguntando: como você combina trabalho psicológico ou trabalho emocional, qual é o lugar desse trabalho no contexto do Rolfing®. O que você pensa sobre isso?

HUBERT GODARD: Uma coisa muito importante para mim é pensar que antes de ter emoção eu tenho uma relação com a gravidade. O sistema de gravidade no corpo vem antes da emoção.

ALINE NEWTON: No útero ou na evolução?

HUBERT GODARD: Quando você está no ventre de sua mãe, você só tem músculo intrínseco,nesse nível não há neurônio motor cortical trabalhando. É mais como um reflexo. Existe preparação de uma psique, mas não uma psique real no sentido em que pensamos – que implica o início de um simbólico.

ALINE NEWTON: Não há habilidade para simbolizar?

HUBERT GODARD: Há um pré-simbólico, mas não uma mente simbólica, que já significa uma relação – Para ter uma psique é necessário ter um relacionamento – se eu estou fundido com alguém, eu não posso ter uma relação, uma psique.

ALINE NEWTON: As pessoas dizem que no útero você já tem uma relação com a sua mãe.

HUBERT GODARD: Claro, você tem um relacionamento, mas não há hesitação. Você reage ao que acontece, mas você não hesita entre fazer isso ou aquilo; você não está começando a construir a conexão neurológica mental no nível neocortical. Você tem, naturalmente, um nível arcaico em sua mente.

ALINE NEWTON: Então esse é o tronco cerebral – o jeito que você estava descrevendo, que a serpente pode se mover tão rapidamente porque não há nenhuma hesitação?

HUBERT GODARD: Não há emoção.

ALINE NEWTON: Então o que é? A emoção vemtraz a hesitação – com qual parte do cérebro isso está relacionado?

HUBERT GODARD: Pegue o modelo de Maclean. Eu gosto muito dele. Eu não uso quando trabalho com neurologistas: eles não conseguem lidar com isso porque são estruturais.

ALINE NEWTON: Qual é o modelo Maclean?

HUBERT GODARD: Ele é um americano que fez o trabalho com o cérebro arcaicolímbico (o cérebro trino). Fiquei tão impressionado com a conversa de Peter Levine porque penso que ele está trabalhando para liberar o core. Estou a falar da psique, não do corpo. No core, em todo o sistema arcaico, não há nenhuma emoção. Levei dez anos para entender porque pessoas como Alexander, Ida Rolf sempre disseram, “eu não estou trabalhando no emocional”, mas agora eu concordo totalmente com isso: o objetivo do Rolfing® não é fazer psicoterapia, é conseguir que o cérebro arcaicoos músculos intrínsecos trabalhem. Muitas vezes, o neo-córtex do sistema límbico estrangula o trabalho intrínseco da linha central. Acho que foi Peter Levine que disse que antes de ter um relacionamento com sua mãe, você tem um relacionamento com a gravidade. A gravidade vem antes da emoção,minha intenção, quando trabalho com alguém – eu posso usar minhas habilidades emocionais – mas o objetivo não é a liberação da emoção, é chegar à linhacomeçar o trabalho na musculatura intrínseca. Em termos simbólicos, isso significa ter duas direções. Para mim, a definição da linha é ter duas direções. É preciso tempo para explicar porque, é claro. Assim, metaforicamente, há uma linha em torno da linha: Há o sistema límbico – que é o psicológico: o emocional envolve a linhapode impedir a linha de falar. Então o que eu quero não é falar a nível psicológico, mas falar com a linha. Mas, para falar com a linha eu preciso estar realmente aberto ao emocional em torno delausar minhas habilidades psicológicas, mas o objetivo não é uma liberação emocional.

Isso faz uma grande diferença entre todo o trabalho neo Reichianoo Rolfing: No trabalho Reichiano, você usa a armadura (couraça muscular do caráter), acho que no Rolfing não estamos interessados em tensão, mas se eu vejo uma tensão, isso significa que algo está fraco na musculatura intrínseca. O que tento fazer é acordar, incitar, o trabalho intrínsecoum dia a armadura cairá. Mas não sou eu quem decide quando a armadura cairá, portanto não estou tão interessado nisso – Eu vejo a tensão como um sintoma, mas apenas um sintoma. Eu estou procurando o ponto fraco que faz com que a pessoa tenha tensão ali. Eu não trabalho para liberar a tensão, eu trabalho para eliciar a força interior do cérebro arcaico (primitivo), assim, depois, a pessoa pode lidar com a armadura. Isso fez a diferença. De repente era tão claro para mim. O que é fundamental no trabalho de Matthias Alexander é suscitar o ciclo gama. A prática é muito diferente da do Rolfing, é claro,penso que o Rolfing é mais completo que o trabalho do Alexander, mas o objetivo é suscitar esse tipo de gama loop do nível intrínseco.

ALINE NEWTON: O gama loop é o reflexo de estiramento?

HUBERT GODARD: Não, o reflexo de estiramento é mais simples, é um reflexo monossináptico, a única herança do antigoprimeiro sistema nervoso. O gama loop não é monossináptico, é mais complexo. Não sei se está claro, mas é muito importante para mim ver que Ida Rolf estava absolutamente correta, uma vez que ela estava investigando o conceito mais importante que encontrei na minha vida: a linha central,trabalhar a partir do trabalho intrínseco. E porque ela estava tão envolvida nisso, ela realizou uma diferenciação. O que vejo com muita frequência na França, nos terapeutas corporais em geral, é que eles têm tendência a se viciarem no emocional, talvez porque eles precisem disso. Mas eu acho que o objetivo nunca pode ser o psicológico, ou a excitação, mas é uma outra coisa, é o que a Ida falava. Claro, agora podemos ter uma atenção melhor, mais aberta à excitação emocional, mas se estivermos interessados apenas nisso iremos perder por completo a mensagem de Ida Rolf, que é algo muito, muito diferente. É trabalhar no nível arcaico, um nível mais profundo. O nível mais profundo é o intrínseco, a linha central.

Continua na próxima edição

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