Vencendo o Estresse – Rolfing / Parte I

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Pages: 3-6
Year: 2001
Associação Brasileira de Rolfing

Rolfing Brasil – ABR

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Introdução

Escrevemos neste artigo sobre os diferentes padrões de funcionamento do sistema nervoso autônomosobre um dos ?hormônios do estresse?, o cortisol. Especulamos então a respeito da relação entre o cortisolo comportamento do sistema nervoso autônomopropomos que, enquanto rolfistas, devemos ter um certo conhecimento da questão para podermos melhor definir o que vem a ser ?tensão??relaxamento?somente então trabalharapontar para os nossos clientes o caminho do equilíbrio, pois que a nossa estrutura também depende,muito, do equilíbrio do SNA.

SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO E ESTRESSE

O significado original da palavra ?estresse? é ?pressão?. Entretanto, atualmente, entende-se ?estresse? como uma carga (com conotação negativa) que afeta a saúdeo bem-estar geral da pessoa, esquecendo-se de levar em conta que a solicitação insuficiente (física ou mental) também pode produzir estresse! Para aqueles que apreciam a exatidão: deveríamos falar de ?eustress? (estresse saudável)?distress? (estresse nocivo).

O que distingue o ?distress? do ?eustress??

Vamos voltar atrás no tempo, quando formou-se a nossa estrutura física. Já naquela época, os nossos similares entre os mamíferos possuíam um ?sistema nervoso autônomo?, antes chamado de ?sistema nervoso vegetativo?. Note que a palavra ?vegetativo? vem de ?vegetal?,que, se por um lado dá a idéia de que ele não pode ser influenciado pela vontade consciente, por outro lado também revela o desdém dos anatomistasfisiologistas da época vitoriana por todo o comportamento ?animal? (palavra que também significa ?vivo?, ?animado?). Por isso pensamos que a denominação ?sistema nervoso autônomo? é mais adequada.

Sabemos que o SNA (Sistema Nervoso Autônomo) comanda a maioria dos processos internos do organismoconsiste de dois ?adversários?: o sistema nervoso simpático (abreviado doravante neste artigo por um ?S?)o sistema nervoso parassimpático (abreviado doravante neste artigo por um ?P?). Ambos os ramos originam-se no cérebro,saem do crânio na forma de cordas nervosas fortesdistintas, que seguem para todos os órgãoslá se subdividem.

O ?S? estimula todos os processos necessários para a ?política externa? ativa da pessoa (sobretudo o reflexo de ?fuga ou luta? fight or flight), enquanto que o ?P? estimula todos os processos necessários para a ?política interna? da pessoa.

Vamos a um exemplo prático, vivido por nosso tátara, tátara, tátara… avô, lá nas savanas africanas: de repente ele deu com um leopardo a média distância! Perigo em relação à ?política externa?! ?Rapidez?, ?velocidade? necessárias! Muito necessárias!

O ?S? entra em ação:

?a adrenalina é despejada ?em baldes? na circulação
?o coração começa a trabalhar rápidaintensamente
?a pressão sangüínea sobe
?a musculatura fica tensa
?a traquéia se expande (para facilitar a respiração)
?os olhos ficam secos (um problema comum entre os atletas)
?o sistema de ?refrigeração? acelera-se: o suor começa a sair pelos poros
?o fígado despeja glicogênio na circulação (o glicogênio é o ?combustível? dos músculos)
??desligam-se? os dispositivos de ?percepção da dor? (agora não há ?tempo para isso?)a percepção da dor fica inibida
?a digestão (que é um processo ?caro? porque consome muita energia, é interrompidao sangue que a ela era destinado é agora desviado dos órgãos abdominais para a musculatura esquelética envolvida do esquema de ?fuga?
?o sistema imunológico é freiado
?sexo torna-se desinteressante
?e o cérebro engata numa marcha forte, muito acelerada.

Alguma semelhança com um carro de fórmula 1 no grid de largada? Alguma semelhança com conhecidos ou clientes seus? Com você?

De volta à savana africana! Aquele nosso antepassado saiu-se bem, pelo menos ?naquela? situação específica. Passou o sustoagora quem comanda o ?veículo? na ?segunda? bateria é o ?P?.

?o coração vai se acalmando
?a pressão sangüínea abaixa
?a musculatura relaxa
?os olhos retomam o ?repouso?
?o fígado volta a armazenar glicogênio
?a digestão retoma sua tarefa
?a ?equipe de manutenção? (reposição de tecidos danificados ou gastos) entra em ação (como a equipe de apoio nas corridas de fórmula 1 entram em ação para ?consertar? o que for necessário)
?o sistema imunológico volta a patrulhar contra a invasão de inimigos
?o lúdico (a curiosidade, a experiênciaa possibilidade de aprender despertam)
?sexo pode tornar-se de novo saudavelmente interessante

Enquanto o nosso ancestral descansa da corrida para escapar do leopardo, vamos examinar três características importantes do mecanismo regulador do estresse:

1) Em circunstâncias ?normais? nenhum dos dois ?S? ou ?P? se anula, mas fica inibido pela excitação do outro. Pavlov provou isto num famoso experimento com cães. Aliás, esta é também a razão pela qual muitas pessoas dormem bem mesmo após tomarem café: é que nelas a excitação de ?S? está fortemente inibida pela alta ativação de ?P?. Se o ?P? falta cronicamente no serviço, pode acontecer um ?desligamento? súbito da ?máquina?, por esgotamento! Como a rede elétrica de uma casa: se a voltagem aumenta subitamente, cai a chave geral!

2) Em circunstâncias ?normais? (saudáveis), tanto o ?S? quanto o ?P? querem ?igualdade de poder? ou, se você preferir, querem participar da ?competição?. Por isso, quanto mais tempomais intensamente um deles ficou no poder, na corrida, tanto mais ?ansiosamente? o outro insistirá em voltar para a pista (é o que se chama de ?potencial de ação intensificadora?).

A relação entre as características de ?S??P? (a excitação de um inibir o outroo ?potencial de ação intensificadora?) resulta num ?irvir? entre ?S??P?, comparável ao movimento de um pêndulo. Seguindo Wilhelm Reich, vamos chamar este fenômeno de ?aptidão natural à pulsação?.

<img src=’https://novo.pedroprado.com.br/imgs/2001/729-1.jpg’>

Este movimento oscilatório pode ser modulado por fatores externos. Foi o que aconteceu com o nosso antepassado no início deste artigo: o leopardo acionou o alarme no ?sistema? do nosso ancestral. Naquele momento o pêndulo foi lançado abruptamente na direção de ?S? alto. E lá ficou até a situação emergencial ter-se resolvido. Chegou então o ?potencial de ação intensificadora? que fez o sistema retornar ao equilíbrio.

<img src=’https://novo.pedroprado.com.br/imgs/2001/729-2.jpg’>

Aproveitando a ocasião, o nosso antepassado primitivo fez uma boa refeição, o que lhe provocou um ?P? alto (não confunda a ?queda? da linha no gráfico com um ?P baixo?!)lá ficou até ?alguma coisa? despertar-lhe a vontade de se mexer.

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Até aqui parece filme de Hollywood: tudo está dando certo para o nosso herói, que está vivenciando um verdadeiro ?paraíso fisiológico?. Mas vamos examinar outros roteiros:

?nosso antepassado está frente à frente com o leopardo, mas encurralado num barranconão pode mexer-se, ou, a Maricota está assistindo um filme de terror, grudada no sofá, sem se mexer, devorando nervosamente batatas chips.

?você já está atrasada para a gravação de uma entrevista sobre Rolfing que deveria ir hoje ao ar durante o Jornal Nacionalo trânsito para: tudo o que você pode fazer é movimentar os pés no freio, embreagemacelerador.

?o aventureiro João vai no Hopiharidá o mais belo salto de bungee-jump. Logo em seguida toma uma ou duas caipirinhas para ?comemorar.?

O que aconteceu em todos os casos? A adrenalina foi despejada na circulação, o coração acelerou, a pressão sangüínea subiu, a musculatura ficou tensa, a traquéia expandiu-se, as pupilas dilataram-se, os olhos ficaram secos, o suor começou a sair, o fígado despejou glicogênio, as pessoas estão um tanto insensíveis à dor, os intestinos da Maricota estão ?desligados? (apesar dela continuar a encher ainda mais seu estômago com batatinhas chips), o sistema imunológico está diminuído, ninguém está com o lúdico presenteo cérebro de todos funciona furiosamente…

E o que acontece? Nada!

O motor do fórmula 1 está em alta rotação no grid de largada, mas os freios estão totalmente acionados também! O bólido faz um barulho incrível mas não sai do lugar. O ?suspense? vira ?rigidez?. (Não é de espantar que as seguradoras de vida americanas notaram uma relação inegável entre os quilômetros rodados por uma pessoarisco de infarte). Chamemos esta forma de estresse de ?estresse de imobilização?: o nosso homem primitivo está ?imobilizado? entre o barrancoo leopardo, a Maricota está imobilizada no sofá, você está imobilizada no trânsitoo João imobilizou-se com as caipirinhas logo após o salto fenomenal de bungee-jump.

O QUE ACONTECEU MESMO?

Se você estiver pensando: ?que bom que a gente não habita mais as savanas!? saiba que isto é apenas meia-verdade: atualmente há um excesso de oferta de leopardos! E mal sabemos como nem onde encontrar abrigo!

?a Maricota já não sabe mais como pagar os salários dos funcionários de sua pequena empresa

.você está prestes a perder ?aquela oportunidade? de divulgar o Rolfing (e o seu sucesso pessoal) na maior rede de TV nacional

?o João tem vestibular amanhã. Este é o terceiro ano que tenta Medicina.

?O Luizinho tem medo de ir à escola porque algumas crianças zombambatem nele.

Em todos estes casos o ?S? predomina claramente sobre o ?P?.

<img src=’https://novo.pedroprado.com.br/imgs/2001/729-4.jpg’>

Examinemos com curiosidade algumas idéias do genialintuitivo Wilhelm Reich, que embora cientificamente questionáveis, valem bastante como estímulo intelectual. Eleseus sucessores apontam que:

1) a tendência à ?S? (gráfico acima) promove a rigidez muscular crônica (que pode resultar em dores nas costasdores de cabeça), pressão sangüínea elevada, glaucomadoenças intestinais causadas por inércia intestinal.

2) O ?P? ficou tanto tempo no banco da reserva,por isso muito destreinado, que acabou gerando uma nova característica: o ?S? não está mais sendo ?controlado? (diminuído) pela atividade de ?P? (que está muito fraquinho), mas o ?S? acaba cedendo por ?puro esgotamento? do sistema. Ao invés de ?relaxamento ativo? (?P?) existe apenas a opção ?recuar?. Segundo Reich, esta condição criaria digestão preguiçosa (flatulência), enfraquecimento da imunidade, e, além das doenças citadas anteriormente, criaria também as condições para o câncer.

3) Nas duas condições acima o ?S? está em excessoo ?P? está insuficiente. Mas há situações em que o ?P?, ao invés de se dar por vencido, explode em valores altosprejudiciais à saúde, produzindo um gráfico como o abaixo:

<img src=’https://novo.pedroprado.com.br/imgs/2001/729-5.jpg’>

Este padrão de comportamento de ?P? cria solo propício para o desenvolvimento de vários tipos de doenças, conforme foi demonstrado pelo Dr. Heiko Lassek (Instituto Wilhelm Reich em Berlim). Alguns exemplos:

?caso da asma: um acesso de asma típico desenvolve-se pelo estreitamento intenso dos brônquios (ação de ?P?)apesar da tremenda falta de ar que a pessoa sente,que é acompanhada de muito medo (?S?), os brônquios não se dilatam. Aplica-se uma inalação no paciente que força o aumento de ?S?assim encerra-se aquele acesso de asma, mas que possivelmente prepara o terreno para ataques de asma ulteriores.

?ou o caso das úlceras gástricas: há muitas indicações que uma das maneiras mais ?eficientes? para se criar uma úlcera gástrica é despejar repentinarepetidamente ácido clorídrico (?P?) depois que a mucosa esteve algum tempo pouco irrigada (durante a ação de ?S?)assim provocar a redução do muco protetor.

?Provavelmente alguns tipos de enxaqueca (dilatação excessiva dos vasos ?P?), assim como reumatismoalergias (que podem ser vistas como um tipo de defesa imunológica exagerada outra vez ?P?), tenham relação com este tipo de regulação entre ?S??P? desequilibrada.

Examinamos então 3 formas básicas de possíveis distúrbios no equilíbrio dinâmico entre ?S??P?. Talvez existam outros. Porém, entre os examinados até
aqui todos têm algo em comum:

– o descarrilamento inicia-se com um excesso de domínio de ?S? sobre ?P?. É o que chamo de ?hipertonia-simpática crônica?.

Talvez ainda existam distúrbios em que o descarrilamento se inicie com um excesso de domínio de ?P? sobre ?S?. Poderia ser que os tipos ?perdedores?, como os ?desistentes?, os alcoólatras, os toxicômanosoutros tivessem a origem de seus problemas num descarrilamento deste tipo?

Talvez a condição de ?hipertonia-simpática crônica? seja o preço que pagamos por insistir numa ?sociedade produtiva?, na qual a condição ?P? é interpretada como ?sem fazer nada?, ?perder tempo?, ou ?apenas vagabundear?. Ou na qual ser um ?ser? humano está mais para um ?fazer? (que desaprendeu a percepção de seus processos interiores) do que para um ?ser?.

Um famoso adágio da nossa época é: ?Tempo é dinheiro! Ganhe dinheiro não perdendo tempo.? Outro adágio atual, embora não expressado claramente como aquele, mas vivido intensamente pela grande maioria é: ?S? é dinheiro?S? é lazer ou diversão. Tentamos esticar o tempo acelerando-nos ao máximo possível durante o processo de ?fazer dinheiro?, como se ?fazer dinheiro? fosse ?O? lazer ideal. Acaba não sobrando tempo para o lazer (para ?P?, para o lúdico)eventualmente percebemos que ?S? em excesso não produz ?dinheiro? mas acaba custando caronão tem graça!

Um sinal muito interessante da gravidade da crise de carência de ?P? é o consumo do medicamento Viagratodo o frisson causado pelo mesmo: tanto o interesse sexual em geral quanto a ereção masculina estão sendo ?P?-induzidos (por um enfraquecimento dos músculos constritores dos vasos sangüíneos). Há trinta anos atrás Moshe Feldenkrais já escreveu que a cultura ocidental tinha a tendência (perversa) de transformar o sexo (originalmente ?P?) num esporte competitivo ?S?assim destruí-lo.

Vale lembrar aqui que o ?alarme-leopardo? foi adquiridoé reforçado inúmeras vezes por dia, muitas delas por bobagens como o adiamento de uma sessão pelo cliente, pela bagunça no quarto das crianças, ou pela demora de atendimento no restaurante. Mas acreditamos que o ?alarme-leopardo? pode ser re-organizado pela organizaçãoaprendizagem de uma combinação de novos estímulos.

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