Associação Brasileira de Rolfing

Rolfing Brasil – ABR

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Iniciei minha prática de Rolfing em Recife em 1983. Mesmo depois de me mudar para Brasília, em 1985, conservei a prática em Recife até 2006, onde permanecia. três meses por ano: dois meses no início de cada ano15 dias distribuídos em períodos curtos. Por ser recifense, haver trabalhado com psicologiaestar envolvida com outros profissionais naquela cidade, tive condições auspiciosas para este rico desenvolvimento. Respondia aos anseios dos que já eram clientes, divulgava o Rolfingconstantemente tinha o prazer de receber novos interessados que continuavam o processo. Ao terminar o treinamento para Instrutora de Pilates em 2006, iniciei em Brasília o trabalho com grupossuspendi minha prática em Recife. Tenho recebido em Brasília os pacientes de Recife.

Chamou-me a atenção quando em dezembro de 2005 trabalhei em Brasília com uma criança de três anos de idade, respirador bucal;ao chegar em janeiro de 2006 a Recife, recebi outra criança de 3 anos, também respirador bucal. Dois pacientes, de 3 anos de idade, ambos respiradores bucais. Um em Brasília, outro em Recife.

Relatos das mães (os nomes são fictícios):

Não dormem bem. Respiram malpela boca. Roncam, têm pesadelos, acordam assustados. Têm ido a médicos, que pediram vários exames, constataram desvio de septo em ambos os casos, mas não acharam nada que justificasse o quadro.

Ângelo nasceu de cesáreamamou até os quatro meses. Voltou a comer apenas pastosos, por dificuldade de deglutição. As amídalas de Ângelo não apresentam inflamação alguma, mas estão expostas na cavidade,portanto, aproximam as paredes da garganta. O médico sugere retirá-las, sendo esta cirurgia a única alternativa para aumentar a passagem de ar para a laringe. A mãe preocupa-se diante da possibilidade de extrair as amídalas, extirpar suas funções;questiona se com o crescimento a criança não irá modificar a relação amídalas/laringe.

Cláudio nasceu de parto normalmamou até um ano. Também apresenta dificuldades de deglutição. Por excesso de saliva, chega a vomitar à noite depois de contínuos engasgosquase sufocamento. O quadro gradativamente se acentua com o tempo. Teve como sugestão cirurgia de adenóide, embora a mãe se apavore com a incerteza dos médicos quanto ao resultado da cirurgia, pois a criança vive cansada, agressivanão dorme, mesmo quando recostada em três travesseiros.

No caso de Ângelo, observei falta de eixo central que sustente a estrutura anatômica; eixo mediano colapsado até os pés; pouco controle de centro por fragilidade deste eixo; pouca mobilidade cervical;pouca diferenciação entre cervicaloccipital, ou seja, quase fixação anteriorizada da primeira vértebra cervical.

No caso de Cláudio, eixocontrole central se apresentavam bem organizados. Occipital estabilizado quase que diretamente na terceira cervical. Ou seja, lordose hiper acentuada nas três primeiras cervicais, levando as demais ao deslizamento anterior, retificando assim a lordose cervical fisiológica.

Ambos afastaram-se intensamente do padrão fisiológico funcional que seria a lordose cervical branda envolvendo as sete vértebras. Em ambos, a linha horizontal da base do crânio sofreu elevação em sua porção anteriordeclínio na posterior. O ângulo mandíbula/hióide está aumentado, prejudicando a funcionalidade. Mecanicamente, o ar que entra pela narina tem dificuldade de seguir o percurso para a garganta. Exige a respiração bucal, que à medida que o quadro de compressão crânio-cervical aumenta, também se mostra ineficiente. Com a lordose acentuada das três primeiras vértebras, houve a anteriorização de todo o material nesta altura contido, como assim se vê as amídalasmandíbula.

Nos dois casos, a primeira sessão trabalhou os arcos dos pés, especialmente maléolos internos, joelhos, diafragma respiratório, clavículas, costelasestrutura pescoço/cabeça, pescoço/tronco, além da parte interna da boca. Na segunda sessão trabalhamos metatarsos, calcâneos, ísquios, lombo-sacralsacro-ilíaco, torácicaamplamente as fáscias da cabeça, com complementação da parte interna da boca.

Escrevendo, cheguei a estranhar a ordem da intervençãosua amplitude. Afinal, são criançasestão apenas iniciando o trabalho. Na verdade, a amplitude da leitura feita que originou a intervenção deveu-se à SEVERIDADE dos sintomas. Assim como a urgência de abrandá-los. Por serem crianças, invoquei a imaginaçãobrincadeiras, para que me fizessem companhiapermitissem a continuidade do trabalho. Convidei-as a recolocar comigo as chuteiras, meiõescapacetes imaginários que lhes apertavam os maléolos, joelhoscrânio, contando com a participação delespermissão para o que estávamos fazendo. Com a curiosidade aguçada, passaram a acompanhardeterminar seus limites de saturação. O uso das dedeiras de borracha foi possível com a promessa de que elas se tornariam balões ao fim da sessão. Brincávamos ao longo do trabalhoeu sempre estimulava a cambalhota como parâmetro de que a curva cervical inversa à fixada, passava a ser possível. Aos poucos, os dois tiveram a grande descobertaa alegria da sensação de poder virar cambalhota. Ambos tiveram recomendação de continuar este exercício, além de encher balões de borracha.

Depois da primeira sessão, Ângelo dormiu a noite inteiraa Cláudio conseguiu dormir, embora ainda havendo acordado durante a noite, usando apenas um travesseiro. Após a segunda sessão, ÂngeloCláudio passaram a dormir a noite inteira, embora ainda sendo respiradores bucais. Alimentam-se normalmente.

Reconhecemos a necessidade de continuar o tratamento, acompanhando as fases de desenvolvimento de cada criança, sua mobilidadefluidez de movimentos nas brincadeiras, solicitando terapias complementares, como possível uso de aparelho ortodôntico (ou ortopédico bucal) no caso de Cláudio, que tem um padrão genético que reforça o modelo de anteriorização da mandíbula.

Ângelo continua a vir ao consultório para sessões de Rolfing. Nunca orientei-o para a série completa por escolher interferir a cada mudança de etapa evolutiva significativa para sua estrutura. Deixou de ser respirador bucal.

Cláudio mudou-se para o interior do Maranhãonão tive notícias de sua evolução.

Por terem acontecido à mesma época estes atendimentos exacerbaram as reflexões:

– de que precisamos divulgar entre nós, na nossa comunidade, casos importantes como estes que constantemente nos deparamosque se não falarmos sobre eles podem tornar-se grandes desperdícios;

– qual a relação o respirador bucal tem com o mundoqual a falha no sistema de conexão?

– que a criança traz a patologia se constituindofacilita sua compreensão quando a reencontramos num adulto com o quadro já constituído.

Minha relação com estas crianças foi muito gratificanteproveitoso o uso do Rolfing com elas, além de curioso o fato de tão pouco trabalho gerar tão amplos benefícios, em curtíssimo prazo.

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