Faixa, ligadura, tira, atadura são os nomes citados no dicionário Houaiss como sinônimos de fáscia, um termo originado do latim, usado para identificar “a lâmina de tecido fibroso na qual se fixam alguns músculos, como, p. ex., os do braçoda coxa”, acrescenta literalmente o léxico.De fato, o tecido maciofibroso que envolve vasos, órgãosmúsculos,ao mesmo tempo os separa, denominado fáscia, dá forma ao corpoviabiliza seus movimentos, ao se estendertransmudar em ligamentostendões e, também, se concentrar em cápsulas que revestem juntasarticulações – como as bolsasbainhas sinoviaiscapsular articulares.
Isso quando não fazem as vezes de articulação em si mesmas, como se verá adiante. A fáscia é a matriz tridimensional de apoio estrutural do corpo, é um esqueleto fibroso que suporta predominantemente esforços de tensão, enquanto o esqueleto ósseo suporta os esforços de compressão, as duas principais forças atuantes sobre o corpo físico, no caso humano. Trinta anos atrás, os estudos médicos do movimento físicoda reabilitação focalizavam a resistência dos músculos, sua anatomiaa fisiologia do exercício, mas era escassa a literatura médica sobre a compreensãoo tratamento de problemas envolvendo as fáscias. Esta realidade está mudando. Em outubro de 2007 aconteceu em Boston, no Centro de Conferências da Faculdade de Medicina de Harvard, Estados Unidos, o primeiro congresso internacional de pesquisas da fáscia.
No programa do encontro, os organizadores justificavam: “É crescente o interesse de certas comunidades terapêuticas pelo papel desempenhado pela fáscia no sistema musculoesquelético, desde dores lombares ou de postura, até fibromialgia, dor pélvicadisfunções respiratórias”. E prometiam que o congresso apresentaria os achados recentes sobre as propriedades biomecânicasadaptativas da fáscia, que poderiam ser úteis na observação clínica de disfunções. Os trabalhos apresentados envolviam desde a compreensão da estrutura molecular dos tecidos das fáscias às suas propriedades de contração celularseu papel na produção do tônus muscular, ou na transmissão de força mecânica entre a estrutura citoesqueléticaa matriz extracelular,suas implicações na saúdena doença.
Figura 1
Modelo clássico de articulação miofacial
O fisiatra especialista em fáscias Luiz Fernando Bertolucci, um dos participantes do encontro, acredita que a manipulação desse tecido fibroso, de modo a liberar aderências que permitam o reposicionamento dos músculos, pode ainda ter um efeito adicional na estimulação do sistema nervoso. A terapia de reposicionamento muscular, como é denominada essa prática, segundo ele, produz reflexos neurológicos que afetam a distribuição das forças mecânicasdiminuem a sobrecargaa lesão dos tecidos envolvidos; é indicada não só nos casos de dores de etiologia mecânica, mas também como coadjuvante no tratamento de síndromes dolorosas que produziram desequilíbrios mecânicos secundários, geralmente causados por posturasmovimentos antálgicos, caso da osteoartrosedas artrites de modo geral. A seguir, Bertolucci detalha as principais estruturas fasciais que atraem a atenção da pesquisa, hoje,devem merecer a atenção do clínico. Entre as articulações miofasciais, a articulação escápulo-torácica é provavelmente a mais representada na literatura médica, como um protótipo que ilustra a importância dos planos miofasciais no deslizamento do movimento humano. De fato, a escápula está literalmente suspensa por estruturas de tecido mole.
Figura 2
Articulação escápulo-torácica
Figura 3
Corte transversal do tórax na altura da articulação glenoumeral
As estruturas ósseas que compõem o membro superiora cintura escapular só se articulam com o restante do esqueleto pela pequena articulação esternoclavicular. Isso dá ao complexo articular do membro superior muita mobilidade, mas tal capacidade depende do livre deslizamento nos planos miofasciais que circundam a escápula. São inúmeros os planos de deslizamento nessa complexa região, dos quais se destacam o plano (a) entre o gradil costalo serrátil anterior, entre este (b)o subescapular, entre o peitoral maiora caixa torácica, entre outros.
Esse deslizamento é garantido pela existência de tecido conjuntivo não-modelado (também chamado frouxo ou ainda areolar) entre as fáscias densas (tecido modelado) que recobrem os músculos. Tal tipo de tecido constitui uma camada mais ou menos espessa nas áreas onde é necessário o movimento entre as estruturas musculoesqueléticas. Por suas características bioquímicas, esses planos teciduais tendem a densificar-se com facilidadea aderir aos planos que separam. A aderência impede o livre deslizamento mútuo dos músculos, os quais conseqüentemente serão sobrecarregados, abrindo caminho para uma infinidade de distúrbios musculares, que poderão progressivamente lesar outros componentes do sistema, como os tendões, as entesesas articulações,provocar uma série de patologias musculoesqueléticas.
O deslizamento entre estruturas vizinhas é fundamental para a função motora; pode-se, assim, estender o conceito de articulações miofasciais para todo o organismo, inclusive as vísceras. O movimento peristáltico, por exemplo, envolve o deslizamento entre as alças intestinais. Os vários compartimentos dos membros superiores.
Os vários compartimentos dos membros superiores
Figura 4, 56
A complexidade funcional dos membros superiores reflete-se em sua estrutura. A grande liberdade de movimentoalcance das mãos depende, além da amplitude do movimento articular, também da liberdade de movimento das fáscias envolvidas. O antebraço, por exemplo, é composto de vários compartimentos miofasciais justapostos em um espaço relativamente pequeno. Para cada movimento da extremidade, os compartimentos miofasciais devem adotar posições relativas específicas. Tal capacidade tem como condição o deslizamento mútuo desses compartimentos nas áreas de tecido conjuntivo não-modelado (areolar). É importante lembrar que as fáscias, ao lado dos tendões, são hoje estruturas reconhecidamente envolvidas na transmissão de esforços mecânicos (a chamada “transmissão miofascial de força”).
A higidez das estruturas musculoesqueléticas depende da adequada distribuição dos esforços mecânicos, na qual a transmissão miofascial de força parece ser um fator decisivo. Essa via de transmissão de força é condicionada intimamente pela posição relativa dos músculos e, conseqüentemente, pela mobilidade dos compartimentos miofasciais. Inúmeras afecções musculoesqueléticas (tendinites, entesites etc.) são causadas pela má distribuição de esforços mecânicospodem, assim, estar associadas a aderências nas interfaces miofasciais de deslizamento. Note-se que o deltóide (d) é composto por vários subcompartimentos miofasciais, já que cada porção deste músculo tem funções diferenciais e, assim, devem mover-se mutuamente.
Figura 7
A plasticidade faciala forma anatômica do pescoço
As fáscias são plásticasrefletem a função motora em sua formadisposição espacial. Essa característica é especialmente visível no pescoço, que concentra um grande número de compartimentos fasciais envolvendo a cervical, o segmento mais móvel da coluna. Tais compartimentos encerram músculos que têm funções diversas, eventualmente até antagônicas, o que aponta para a importância da mobilidade entre as fáscias na região. A rotação do pescoço, por exemplo, produz a torção desses compartimentos ao redor da coluna cervical, que pode facilmente ser comprimida, caso as fáscias apresentem aderênciasexerçam, assim, força de compressão anormal sobre as vértebras. A motricidade prejudicada por aderências das fáscias é um dos fatores subjacentes ao aparecimento de muitas patologias na região, como os freqüentes torcicolos, as hérnias cervicaisas cervicobraquialgias. Felizmente, a mesma plasticidade que deforma o organismo contribui para sua recuperação, quando explorada com a aplicação de técnicas de manipulação fascial.
Figura 8
Interface de lubrificação nos tecidos da pelveda coxa
Interface de lubrificação nos tecidos da pelveda coxa A estabilidadea adaptabilidade da postura estão intimamente relacionadas à mobilidade segmentar das regiões lombarpélvica. Tal mobilidade depende, entretanto, da liberdade de movimento entre as fáscias da região. O sistema de fáscias é considerado a interface onde ocorre a lubrificação dos tecidos, função esta intimamente relacionada à saúde de forma geral. Hábitos motores viciados (como a permanência por muito tempo na posição sentada), traumascirurgias produzem aderências nas interfaces de deslizamento entre os corpos musculares, comprometendo a função motoraabrindo caminho para o desenvolvimento de patologias musculoesqueléticas, como lombalgias, lombociatalgias, artralgias do quadrildo joelho, entreoutras. Tal efeito pode afetar também a função orgânica, na medida em que um tecido aderidoenrijecido é menos permeável ao aporte sanguíneo.
Figura 9, 1011
* Luiz Fernando Bertolucci é médico fisiatrabiólogo, criador do métodode manipulação fascial denominadoReposicionamento Muscular. É professor da Associação Brasileira de Rolfing® (ABR)
Imagens:
Testut L. Traité d’anatomie humaine. Paris:Gaston Doin & Cie, Éditeurs, 1928.Bourgery JM. Traité complet de l’anatomiede l’homme. Paris: C.O. Delaunay, 1839.
Referência:
Bertolucci LF. Muscle repositioning. A new verifiable approach to neuro-myofascial release. Journal of Bodywork and Movement Therapy, 2008. doi:10.1016/j.jbmt.2008.05.002[:][:pb]Esqueleto Poderoso[:]
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